ADEUS SEM PONTO FINAL
ADEUS SEM PONTO FINAL
Abandono de esquecido
Fugidio lamento esvaido.
Ilusões desfeitas
Razões fenecidas
Macerados tormentos
Soturnas convulsões
No escorregadio tempo .
Invernosas brumas,
Derramando-se pelas madrugadas
Segredos invocam
E choram sem saber o porquê...
Choram o pranto da saudade
Flores desmaiadas orvalham
Jardins de desgrenhadas urzes irrigam...
“Sou chama e neve branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!”
Florbela Espanca
DUETO MAIS QUE PERFEITO
DUETO MAIS QUE PERFEITO
Poética ciranda
Versos em alquimia
Estado de graça em prenúncio
Delírios de sonhos
Ilusórios caminhos
Vibrantes tons de carmesim
Vidas entrelaçadas...
Na mágica tarefa de viver
Fantasias a arder...
Juntas, nossas sensações
À flor da pele, emoções...
Num só clamor
Desejos, promessas...
No silêncio de nós dois
Flamejantes sinas
Deserdados anseios...
“E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...”
Florbela Espanca
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ASSASSINATO DE SONHOS
ASSASSINATO DE SONHOS
Não é um definitivo adeus.
Apenas uma partida ,
Sem lágrimas,
Sem risos...
Uma partida com brisa de chegada
Sombras de tênues névoas...
Assassinato de sonhos
Em versos sangra...
Como se fora derradeiro adeus,
Sem uma esperança deixar...
“E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!”
FLORBELA ESPANCA
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JARDIM DE DORES
JARDIM DE DORES
Jardim onde as dores cultivo
Nunca sorriu
Tampouco floresceu.
Rubras rosas que minhas fantasias anelam
Pendem emurchecidas
Ao raiar do dia.
Choram as mágoas das frias noites.
Auréolas de agonias d'um triste outono.
Alados,
Soluçantes clamores das madrugadas
Sulcam o infinito
Em busca da estrelada abóbada .
Sussurrantes espectros
Fantásticas visões
Sobre o céu se estampam.
“Assim a dor que se sente
no outro obscuro de nós
nunca fala a nossa voz
mas de quem de nós ausente...”
VERGÍLIO
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RETRATOS DA VIDA
RETRATOS DA VIDA
Intocáveis cenários
Escancaradas janelas
Portais do destino.
Nos degraus de sonhos
Jogos de luzes
A bailar nos simulacros do tempo,
Mapa das nuvens desenhando.
Ricas lembranças
Em poemas transformadas
Tatuando o presente
Que a vida legou...
Passado não ultrapassado
Perenemente marcado
No hoje e no amanhã ...
-Retratos caem na alma ,como na relva o orvalho...-
“Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso...”
MÁRIO QUINTANA
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TORTURA
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TORTURA
Lembranças das páginas que não virei
Minha insana mente turvam
Atordoam a vida que não vivi.
Alma em frangalhos
Estilhaçado coração.
Híbridos sentimentos mourejam
Inutilmente choram alegrias perdidas...
Lancinantes mágoas me oprimem
Lágrimas já não mais tenho...
Canteiros dos meus jardins
Irrigados pelo pranto das desventuras
Pétalas das amarguras florescem...
“São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!”
Florbela Espanca
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APENAS O NADA...
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APENAS O NADA...
Apenas o mudo silêncio me inunda
Na perfidez das gélidas madrugadas.
Nada mais que o calor das vãs esperanças
Esbraseia-me o corpo nu,
Tiritando no leito apagadas esperanças.
Inclemente demência no vazio d’alcova,
Insanos espasmos do coração.
O nada , somente o nada, a eclodir
Na insensatez das horas,
A paralisar as incessantes vibrações
Dess’alma em desvario...
-Tormentos que as aquarelas se esqueceram de pintar-
"No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta..."
FLORBELA ESPANCA
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ACORDADA SONHO...
ACORDADA SONHO...
Do outro lado da fronteira,
Nuas tristezas.
De sonhos que acordada sonhei,
Acordo...
Arabescos de sonho pelo ar
Traçam veludíneas ilusões
Horas demorando a passar,
E o tempo passando depressa
Na mágica aridez de viver! ...
“Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!”
FLORBELA ESPANCA
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ENCARCERADAS VOLÚPIAS
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ENCARCERADAS VOLÚPIAS
A começar a ir embora a luz do dia
Descortina-se o manto dos devaneios.
Sonhos fazem as madrugadas,
Em solenes tons,
Esgueirar-se bizarramente,
Roubando as cores da morna solidão.
Veladas emoções ao âmago acorrentadas
Jorram, no silêncio da alcova,
Encarceradas volúpias.
Doentio, pulsa o corpo,
Passarela de sensações.
Entorpecentes momentos
No vazio dos sentimentos
Fim de mais um agónico dia
Açoitado por promessas
Tingindo de sangue o céu ...
"Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!"
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
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