domingo, 16 de fevereiro de 2020

IRRESPONSABILIZAÇÕES



“Ser feliz é uma irresponsabilidade muito grande.
Pouca gente tem coragem.”

Clarice Lispector (1920-1977)
Escritora e poetisa ucraniana, naturalizada brasileira

IRRESPONSABILIZAÇÕES


Eu me irresponsabilizo
Pelas lágrimas derramadas
Sobre a cama arrumada
Pelos lençóis incólumes
Pelo orgasmo não consumado.

Irresponsabilizo-me
Pelo medo de avançar
Na estrada dos desejos
De esperar a chegada tardia do arrependimento
Pelas cicatrizes que cresceram e se perenizaram
à sombra das dores daquilo que não ousei sentir.

Sim!
Forjei-me em irresponsabilidades
ao recusar o banquete das sensações proibidas
Para ficar com as lautas migalhas
de uma prudência inócua.

De que valeu o comedimento protocolar?
Queria mesmo
ter arrombado as portas do teu coração!
E arrancado do fundo da tua alma
Todos os suspiros e gemidos
Que as minhas libidos procuraram por anos a fio!

Tua boca deixei apenas
dentro de uma moldura onírica
E nem sequer cogitei em imiscuir-me
em tintas mais solúveis
Em rasgar a tela, o seu vestido,
esse teu corpo que não se desnudou para mim.

Agora parece-me tão tarde
Para colorir outras aquarelas
Para invadir as outras janelas
Para seduzir outras donzelas.

Me responsabilizo pela irresponsabilidade
de não ter sido feliz
E de me contentar em viver pela metade
Apenas por um triz
De me banhar no chafariz
Em vez de perder-me no mar de lubricidade.

Agora vou camuflando
Cada vazio, com a hipocrisia
Dos versos que pleiteiam
a impostura do consolo ideal
Para os amores que eu nunca consegui rimar
Na mocidade, na maturidade
Com algum laivo de felicidade.

O que levo para eternidade?
Todo o amor reprimido
Toda a poesia represada
Toda a recorrente inutilidade...

© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
Direitos Reservados. Lei 9.610/98


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